O Diabo Veste Boletos: E Eu Não Quero Mais Ser a Andy
Sobre trocar saúde mental por um crachá bonito e descobrir que ele não paga terapia.
Ana Mickeli
6/27/20253 min read
Eu queria começar esse post deixando claro que não é pra ser um "textão" (apesar de provavelmente ser um textão). Mas tem coisa que fica cutucando a costela todos os dias, e eu queria registrar pra colocar pra fora. Tipo diário, só que mais cool.
O rolê é o seguinte: a gente normaliza abuso por dinheiro. Todo dia. Toda hora. A gente se adapta ao inaceitável só pra pagar boleto e comprar ração da cachorra. E, sinceramente, isso é de uma tristeza capitalista bem rasa, mas que a gente engole.
Recentemente, saí de um emprego que parecia, no papel, o trabalho dos meus sonhos. A vaga que eu sempre quis, numa empresa que eu, iludida, achava massa, ética, com propósitos bonitos pra colocar no LinkedIn. Parecia o tipo de lugar que ia fazer “toda a diferença na minha carreira”. Você já ouviu essa balela? Pois é, eu também.
Na prática? Foi só mais um pesadelo corporativo que serviu de lembrete: o trabalho não vale a nossa saúde mental. Nunca valeu, nunca valerá.
Meio ano lá e eu saí com quatro quilos a menos, não porque fui fitness, mas porque eu simplesmente não conseguia comer. Cada reunião com o diretor era um bingo de humilhação, e eu saía da sala pra chorar no banheiro. Mas não era choro de tristeza, era raiva pura.
E se você acha que tô exagerando, pensa na Miranda Priestly de O Diabo Veste Prada, só que sem o figurino de alta-costura e sem o talento de verdade.
Sabe aquelas reuniões onde o CEO – que banca o Elon Musk da Shopee – se refere a você como “burro proativo”? Pois é. Era esse o nível de “gestão”. O cara, entre outras pérolas, perguntava quanto $$ você já conquistou na vida pra merecer ser ouvido. Ah, e se fosse só isso… Misoginia, gaslighting, piadinhas machistas, falas preconceituosas de todos os tipos possíveis, distribuindo humilhações gratuitas como se fossem brindes corporativos e levando a própria empresa a falência. Era tipo aquele bingo do processo trabalhista, pra loucura do jurídico da empresa. A diferença é que, ao contrário da Andy do filme, o “grande networking” não aconteceu – e eu acabei saindo antes de perder completamente minha sanidade e minha alma.
E o mais irritante? Esse tipo de gente sai impune. Sai impune há anos. Eu ouvi relatos de ex-funcionários, li avaliações no Glassdoor e tudo batia: um histórico de abuso, processos, toxicidade e zero consequências reais. As pessoas não denunciam porque têm medo, falta instrução, estão cansadas demais emocionalmente pra brigar, ou precisam pagar o aluguel. O capitalismo nos deixa de joelhos com um sorriso no rosto.
E eu, mesmo vendo tudo isso, fiquei lá preocupada com o quê? Em sair do emprego. Em perder “estabilidade”. Essa é a parte mais doida. A gente normaliza a troca da saúde mental por salário. E eu já disse aqui que não vale a pena?!
Eu sou super controladora, organizada, planejo tudo, faço planilha de gastos até do Ifood. E mesmo assim, encarar a incerteza de não estar em um emprego formal me deixou desconfortável. Porque minha autoestima sempre foi colada no meu trabalho, nas minhas entregas, nos prazos, nos projetos. Quando você não tem isso, essa rotina maluca, fica parecendo que falta propósito, que falta um motivo pra acordar e colocar um jeans (ou ao menos uma calça de moletom decente).
Mas aí, no meio do caos, eu também lembro que agora eu posso trabalhar de casa, do meu jeito, com a Fernet (minha cachorra) dormindo do lado, sem precisar lidar com um “líder visionário” (risos) que na prática só é um babaca amargo e fracassado. Aí eu lembro que eu não tô mais chorando de ódio depois de toda reunião, que eu não tô mais sendo desrespeitada todo-santo-dia.
E é doido como mesmo assim a gente fica desconfortável. A ausência do abuso gera um vazio esquisito. É quase como síndrome de Estocolmo corporativa, né? O capitalismo educou a gente pra achar que sofrer é parte do pacote do sucesso. E eu não sei você, mas eu tô cansada dessa palhaçada.
Agora, meu desafio real é desacelerar. Organizar minha rotina. Aproveitar a minha casa, ser mãe de pet, cozinhar, caminhar na rua, voltar a fazer exercícios, comer direito, me priorizar. Coisas que, ironicamente, o “trabalho dos meus sonhos” não me permitiu.
E eu lembro daquele meme que compartilhei com amigos durante o auge da desgraça:
“Se esse era o trabalho dos meus sonhos, imagina o dos meus pesadelos?”
Pois é. Foi exatamente isso.
Então, fica a reflexão: O que é sucesso, afinal? Ter um case bonito no LinkedIn enquanto sua saúde mental vai pro ralo? Vale a pena o “prestígio” quando você não consegue nem comer ou dormir em paz?
A gente já sabe as respostas. Mas é bom relembrar. E eu tô relembrando. Todos os dias.
Com carinho (e um pouco de sarcasmo), da Sommelier de empregos,
Ana Mickeli :)

